quarta-feira, 20 de abril de 2011

Ladrão é assaltado enquanto roubava carro em Porto Alegre

Essa notícia é demais e merece ser transcrita!

A história é simples: o sujeito vai praticar sua atividade de assaltar as pessoas. Encontra ótimos clientes, mas quando começa a efetuar o crime é roubado, junto com seus clientes iniciais! Será que ele tinha cara de um sujeito "assaltável"? Até sua arma foi levada, olha que legal!

Imagine: que condenação o primeiro assaltante levaria? Acho que uma tentativa imperfeita de roubo circunstanciado. Mas poderia ser ouvido como vítima do segundo assalto, seria bem legal! E ainda ia pagar mico na delegacia e no Fórum...

E eu aposto que no fim dessa história o assaltante "peixe grande" é passado prá trás por um corrupto!

Da Folha Online:

Um homem ainda não identificado pela polícia foi assaltado enquanto roubava o carro de um casal, na noite deste domingo (17), na zona norte de Porto Alegre. Um publicitário de 20 anos, acompanhado de sua namorada, estacionava sua Ecosport prata na rua Benno Mentz, no bairro Itu Sabará, quando um homem armado com um revólver 38 rendeu o casal.

Durante a abordagem, um Prisma escuro se aproximou e três homens armados abordaram as vítimas e, junto com elas, o primeiro ladrão. A Ecosport do casal e o revólver do assaltante foram levados. Assustado, este último fugiu a pé. O publicitário, levado pelo trio de assaltantes, foi liberado a poucos quilômetros do local.



Segundo Jorge Rubin, chefe de investigação da 14ª Delegacia de Porto Alegre, que investiga o caso, as vítimas estão sendo ouvidas. “Já temos o depoimento do proprietário do Prisma utilizado pelo trio, que era roubado, e que foi abandonado no local. À tarde, pegaremos o depoimento do dono da Ecosport. Em principio, ninguém foi ferido.”

O publicitário, vítima do assalto, não foi localizado pela reportagem. A pedido de sua família, seu nome não foi divulgado.

Fonte: http://noticias.uol.com.br/cotidiano/2011/04/18/ladrao-e-assaltado-enquanto-roubava-carro-em-porto-alegre.jhtm

domingo, 3 de abril de 2011

Projeto de lei que altera a Constituição

Depois de insinuar que o casamento com uma pessoa negra seria promiscuidade e cometer uma série de outros impropérios no programa CQC, na última segunda-feira, o Deputado Federal pelo PP/RJ, Jair Bolsonaro, ainda encontrou tempo para mais uma gracinha.

A novidade é que o ilustre Deputado, contrário às cotas raciais de ingresso nas universidades públicas, teria apresentado um projeto na Câmara para garantir 50% das cadeiras de membros do Congresso Nacional para negros e pardos, atitude tomada para "ironizar" esse tipo de ação afirmativa.

Mas não é disso que esse Blog cuida. A questão é que, da forma como foi noticiado, fica difícil entender o que realmente foi feito, ou será que o Deputado resolveu ironizar também o procedimento de alteração da Constituição? Veja o que diz o texto publicado no site UOL:

Acusado de racismo após entrevista a programa de TV nesta semana, o deputado federal Jair Bolsonaro (PP-RJ) reapresentou um projeto de lei que dá uma nova redação à Constituição Federal pedindo que sejam reservadas 50% das 513 cadeiras da Câmara dos Deputados para as populações negras e pardas. Segundo ele, o intuito é "ironizar" o que considera “a indústria das cotas do país”.

(Clique aqui se quiser ver a reportagem completa)

O problema é que um projeto de lei não pode dar nova redação à Constituição. A Carta Magna, para ser alterada, depende de Projeto de Emenda à Cosntituição, e não de projeto de lei.

Então uma lei agora altera a Constituição?

Além disso, as propostas de Emenda à Constituição possuem iniciativa bem mais restrita do que aquela conferida às leis ordinárias e complementares, ou seja, um parlamentar sozinho não pode apresentá-las. São apenas três os legitimados para apresentar tal tipo de proposta, consoante o art. 60, caput, da Constituição: (i) o Presidente da República; (ii) 1/3 dos Deputados Federais ou dos Senadores; (iii) mais da metade das Assembleias Legislativas.

Este Blog fica, então, na curiosidade de compreender o que seria esse projeto de lei que altera a Constituição Federal. Afinal, nem mesmo uma Emenda à Constituição formalmente válida poderia estabelecer um tal tipo de procedimento para o futuro, pois se uma lei pudesse alterar a Constituição, restaria derrogado o nosso sistema de Supremacia da Constituição e de rigidez constitucional, base da maioria dos sistemas constitucionais contemporâneos, incluso o nosso.

Por fim, aproveito que essa semana o Golpe Militar completou 47 anos para prestar uma homanegam ao Bolsonaro, para quem bons governantes mesmo foram só os militares da ditadura. Veja, a seguir, como o Jornal "O Globo" repercutiu o Golpe no dia 02/04/1964, equivalente, para esse jornal, ao "ressurgimento da democracia":


“Ressurge a Democracia”

Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente de vinculações políticas, simpatias ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas, que obedientes a seus chefes demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do Governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ser a garantia da subversão, a escora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade, não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.

Para ficar embasbacado com o editorial completo publicado por "O Globo", clique aqui.

quarta-feira, 30 de março de 2011

O processo por R$0,40 de chocolate

O objetivo desse Blog é escrever sobre a abordagem tecnicamente equivocada muitas vezes conferida ao Direito pela mídia.

Então eu fico à espera de algum "cachorro grande" pra comentar aqui. Claro, pois fatos como um repórter dizer que o preso vai responder por certo crime (para tanto não seria necessária a concordância de promotor e juiz?) ou confundir furto com roubo a gente deixa passar com comiseração.

Mas hoje vi uma notícia que me cortou o coração, e merece ser repercutida. Não é legal comentar decisões exercendo juízo de valor, até porque cada caso tem um contexto processual geralmente inalcançável pelo que é registrado numa notícia, sem dizer da distância que separa autos e mundo.

Mas trata-se de um caso especial: R$0,40 de chocolate. Quarenta centavos!

Em breve síntese, em sede de Habeas Corpus, que solicitava o trancamento de ação penal, foi negado o pedido de incidência do princípio a insignificância no caso de um policial militar que entrou num supermercado, comprou algumas frutas, pagou, mas escondeu uma caixa de bombom por baixo de seu colete a prova de balas (mas, pelo visto, não à prova de chocolate!), furtando esse item.

O autor foi, em seguida, surpreendido com a referida caixa, que já estava quase toda consumida: sobraram apenas 4 bombons.

Será que os bombons ao menos eram tão suculentos?


Clique aqui para ver a notícia completa, do site do STJ.

Apesar dos R$0,40 em que foi avaliada a mercadoria, o STJ se posicionou pela não aplicação do princípio da insignificância, sob o argumento de que a reprovabilidade da conduta, perpetrada por quem tem o dever de garantir a segurança pública, é suficientemente alta para inadmitir a incidência da tese da bagatela.

O argumento do Tribunal não é de todo desarrazoado. Convence, sobretudo os que clamam por um Estado que toma conta dos seus cidadãos como se crianças fossem. Afinal, se um Policial Militar pratica um furto - e ele era do estado de Minas Gerais - o que exigir da população?

Mas parece imperioso pensar a situação por ótica diversa daquela calcada em argumento estilo "lei e ordem". Afinal, um Estado que dá aos profissionais da segurança pública as condições de trabalho que dá, pode ser tão exigente com seus servidores?

Me vem à mente um verso da música "Até quando", do Gabriel, o Pensador:

"Aquilo o que o mundo me pede, não é o que mundo me dá".

O sujeito é policial. Mas subtraiu uma caixa de bombom. Com qual finalidade? COMER!!! Ele tinha que comprar frutas, talvez fosse o que ele podia comprar. Talvez ele seja cleptomaníaco, não importa. O caso é que a ação se limitou a se esbaldar no chocolate... Que conduta grave é essa, merecedora da tutela penal do Estado? Fico imaginando a premeditação do crime: o desenrolar do papel dos bombons. Ou, senão, o flagrante, assim narrado na exordial acusatória: "... o autor foi flagrado ainda com restos de chocolate nos lábios, dentes e gengivas, consoante comprova o laudo pericial acostado aos autos..."

Aproveito pra me confessar: eu já "subtraí" escondido pedaço de ovo de páscoa das minhas irmãs. Também posso apostar que a Sandy - agora que se revelou devassa - deve um dia ter aberto o pote de "Nescau" e comido direto com a colher (eu teria feito com "Toddy", mas a Sandy, na verdade, tem cara de quem foi criada com "Quick" sabor morango).

Mas, como o sujeito é policial - algo semelhante a um ser angélico, não é? - queremos que esteja acima do bem, do mal e da GULA! Por isso, punámo-lo exemplarmente!

Para se conformar com uma tal situação, só mesmo imaginando que o Estado é um empregador perfeito, oferecedor das melhores condições de trabalho. E os servidores, por sua vez, são figuras incólumes, que pairam acima do bem, do mal e da Lei de Improbidade Administrativa! Alguém se habilitaria?

Sugestão ao legislador: criar uma agravante especial para o crime de furto de bombons, quando o meliante edaz, com o dolo específico de saciar sua volúpia chocolática, misturar o chocolate branco com o meio amargo. Ora, vai acabar perdendo o gosto!

Eu, se tivesse surpreendido o pobre policial, acho que só saberia mesmo rir da situação... como ele comeu rápido!

(E aos defensores da teoria da vidraça quebrada, um lembrete: tolerância zero é o mesmo que intolerância 100).

sexta-feira, 11 de março de 2011

Antes tarde do que nunca

Transcrevo, a seguir, nota publicada na coluna do Flávio Ricco, publicada hoje:

"Assessoria Jurídica
A Globo colocou uma advogada para auxiliar Gilberto Braga e Ricardo Linhares nas questões que envolvem a personagem de Glória Pires em “Insensato Coração”.
Um cuidado necessário. A abordagem será a mesma da vida real."

(Confira a íntegra clicando aqui)

Este Blog parabeniza a Globo, mas pede tratamento isonômico: porque a personagem de Glória Pires vai ter esse privilégio em relação ao personagem Pedro, que comeu o pão que a Globo amassou???

Seguimos de olho no Ordenamento Jurídico Paralelo da Mídia!

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Insensata pena - o homicídio culposo em Insensato Coração

Muito legal.

Não sou muito chegado a novelas. De vez em quando pinta uma bacana, como "Celebridade", que era muito engraçada, e aquela que tinha o Juvenal Juvêncio na favela Portelinha, inteligente que só.

Mas a maioria é lenta e sem graça mesmo.

Hoje (25/02/2011) vi que na novela Insensato Coração o piloto de avião Pedro foi condenado a 4 anos e 9 meses por homicídio culposo "qualificado" e "crime de perigo comum". E não resisti a usar esse caso pra iniciar esse Blog, cuja idéia é antiga.

Na foto, felicidade com dias contados

Antes, uma advertência: a novela é ficção. Talvez se passe no ano de 2.150, ou num país chamado Bramil. Nesse caso, pode existir lá o ordenamento jurídico que quiser o seu autor, e aí o que será comentado aqui perde o valor. Mas se a pretensão for de que os fatos tenham acontecido no Brasil de 2011, aí temos história pra contar!

Para uma "experiência completa" clique aqui e assista ao vídeo do acidente de Pedro. Você pode também clicar aqui para ver a mágica de uma pessoa que chega em 10 segundos à pé, no lugar em que caiu o avião. É o resgate mais rápido da história!

Então veja como  ficou a sentença de Pedro, depois de ele ter se envolvido nesse acidente aéreo, lida pelo juiz:


"Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra Pedro Mourão pela prática do crime de homicídio culposo, em face de Luciana Alencar, e crime de perigo comum. Segundo a denúncia, o piloto foi o responsável pelo acidente aéreo que vitimou a noiva, pois agiu com negligência no momento do abastecimento do avião, inobservando ainda regra técnica da profissão. Ante o exposto, condeno o acusado a quatro anos de detenção pelo crime de homicídio culposo. Pelo crime de perigo comum, condeno o acusado a nove meses de detenção".

Bacana demais!

Primeiro é bom mencionar que a pena para o homicídio culposo é de 1 a 3 anos. Ela pode ser majorada em 1/3, caso a conduta culposa implique, também, em inobservância de regra técnica profissional. Mas vale à pena conferir esse interessante julgado do STJ, em que tal majorante foi afastada, por ferir a máxima do ne bis in idem, pois o mesmo fato constituira o núcelo da culpa.

Tudo bem, vamos passar por cima do cabimento ou não dessa majorante. Mesmo assim temos uma pena alta, não? Sim, o juiz deu pena máxima para o homicídio culposo (e o cara da novela era tão bonzinho). O art. 59 do Código Penal (CP) desse juiz deve ter algum tipo de reincidência para crimes cometidos pelo mesmo ator em outros papéis, sei lá! É um Direito Penal do inimigo da ficção pra Jacobs nenhum botar defeito!

Tá bom, mas não é só. Afinal, morreu uma só pessoa, noiva do piloto, e bem poderíamos pensar num perdão judicial, pois as consequencias do acidente atingiram de maneira grave o condutor da aeronave, que foi para a prisão ainda mancando muito, coitado! Mas - claro - essa hipótese deve também ser afastada, porque o nosso Pedrão já tinha demonstrado pro público que não a amava mais...

E o que fez Pedro, afinal? Não acompanhou o espertinho que abasteceu o avião com o combustível errado. Poxa, ele não prestou atenção no técnico que tem a exclusiva incumbência de abastacer com o combustível certo. Então tá. Responsabilidade objetiva nele!

Mas o mais legal ainda está por vir: ele foi condenado pelo "crime de perigo comum" a mais 9 meses de prisão. Essa foi campeã! Até porque não existe um tal crime no ordenamento jurídico brasileiro (mas essa vai ficar registrada nos anais do glorioso "Ordenamento Jurídico Paralelo da Mídia", ou "OJPM", como este blog ousa chamar).

Existe no CP um capítulo que trata dos crimes de perigo comum, como o de incêndio, explosão etc. Eis, portanto, essa interessante inovação: condenar alguém por um capítulo, e não por um tipo penal. Dá pra pensar até em princípio da capitulidade num futuro próximo (atenção acadêmicos: tema novo para teses e dissertações!).

E já chega? Não, só mais um pouco. A pena do crime de homicídio culposo é de detenção, que segundo consta no CP só pode ser cumprida, ao menos inicialmente, em regime semi-aberto ou aberto. E, afinal, esse "crime de perigo comum", novíssimo, também deve ter sido de modalidade culposa, ou será que arrumaram uma conduta dolosa não tipificada pra ser praticada por meio de uma única ação em concurso com outra conduta culposa? Seria fascinante!

Ele foi preso na Pennsylvania?

Mas o que a novela ganharia com um crime sem cárcere fechado, em termos audiência? Provavelmente nada. Então fizeram logo uma prisão duríssima, regime desde logo fechado, e sem substituição de pena (que no caso dos crimes culposos não possui limite de tempo para ser concedida, lembra? CP, art. 44, I...) e ele foi encarcerado, numa dramática cena, imediatamente!

Também, que advogadozinho mequetrefe ele arrumou... nem pra ter pronta uma apelação ao menos mais rápida do que a eficiente polícia que conduziu o apenado para o estabelecimento prisional. O advogado deve estar com aquela ideia antiga de que o conhecimento da apelação pelo Tribunal depende do recolhimento à prisão.

Como é cruel o Ordenamento da mídia, não é mesmo? E o estabelecimento penal é de tal forma organizado que faz imaginar que a pena será cumprida no estado brasileiro da... Pennsylvânia! Por lá, nada de prisões em containers.

É que o legislador e o juiz da novela são duros, mas são limpinhos.

É isso aí: seja bem vindo ao universo paralelo do direito midiático!

(Nisso que dá autor de novela pedir assessoria para estagiário. Sim, se isso fugiu do controle de verossimilhança (tá bom, sei que esse controle não deve existir para novelas), a culpa será de um estagiário!)

O Direito e a mídia

Há algum tempo eu venho pensando em criar um Blog apenas para comentar as abordagens mais equivocadas, engraçadas ou absurdas que a mídia dá a questões relativas ao Direito.

É verdade que foi o Direito assumiu esse grave defeito de ser extremamente complexo e de difícil entendimento. E isso colabora para que jornalistas, repórteres, comentaristas, autores de novela e toda a sorte de pessoas que possuem algum espaço na mídia dêem as interpretações mais curiosas sobre o Direito, construindo o que eu chamo de o "Ordenamento Jurídico Paralelo da Mídia" - ou simplesmente "OJPM".

Então, eis a proposta desse Blog. Capturar uma ou outra dessas atrocidades midiáticas e comentá-las à luz de um entendimento mais técnico e atualizado do Direito.

Na foto, um cliente em potencial para este humilde Blog.

Pra quem é esse Blog? Pra mim, com certeza. Mas pode servir também para quem é do ramo jurídico se divertir comigo, e pra outros curiosos entenderem melhor as diferenças entre o OJPM e o ordenamento jurídico brasileiro.

Então, vamos lá! A seguir, o nosso primeiro caso: Pedro é condenado por homicídio culposo e crime de perigo comum (!) em Insensato Coração! Wow!