quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Crime de vadiagem?

Em 08 de agosto de 2012 praticamente todos os sites de notícias (pode ser que em algum deles o estagiário estivesse distraído e tenha se esquecido do tradicional "Ctrl C + Ctrl V" em notícias recebidas de "Agências") divulgaram a seguinte nota, produzida pela "Agência Câmara" (clique para ver a notícia no site em questão):

"Câmara aprova fim do crime de vadiagem
O Plenário aprovou nesta quarta-feira (8) o Projeto de Lei 4668/04, do ex-deputado e atual ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, que retira da Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei 3.688/41) o crime de vadiagem. A matéria foi aprovada em votação simbólica e será enviada para análise do Senado."



A afirmação é singela e possui um equívoco bem simples e corriqueiro. É que vadiagem já não é "crime". Afinal, trata-se de Contravenção Penal, pois prevista na Lei das Contravenções Penais, positivada por meio do Decreto-Lei 3.688/41.

No esteio dos célebres versos musicais que diziam "Mãe é mãe, vaca é vaca", pode-se afirmar que crime é crime, e contravenção é contravenção.

É verdade que, segundo abalizada doutrina do Direito, não existe distinção de natureza ontológica entre crimes e contravenções. Ambos constituem a eleição de comportamentos pelo Legislador como passíveis de acarretar certas penas aos seus agentes. Porém, a maneira mais técnica de se abordar o tema é separar, de um lado, os crimes, e, de outro, as contravenções, como espécies de delitos penais.

Há diversas outras digressões sobre o tema, mas que fogem ao objetivo deste Blog. Vale apenas registrar isso: o crime de vadiagem não precisa acabar, pois não existe.

a contravenção de vadiagem, essa sim merece acabar, pois é fruto de uma visão extremamente preconceituosa e desatualizada. A propósito, seu desuso não é gratuito, pois sua natureza contrasta com a atual ordem constitucional, calcada na dignidade da pessoa humana.

Veja-se o artigos 59 da Lei de Contravenções, cuja revogação se pretende efetivar, e perceba, de seu texto, que é um delito voltado exclusivamente aos pobres, pois quem tem renda suficiente não o comete:

Art. 59. Entregar-se alguem habitualmente à ociosidade, sendo válido para o trabalho, sem ter renda que lhe assegure meios bastantes de subsistência, ou prover à própria subsistência mediante ocupação ilícita:
Pena – prisão simples, de quinze dias a três meses.
Parágrafo único. A aquisição superveniente de renda, que assegure ao condenado meios bastantes de subsistência, extingue a pena.


Sei que crimes para pobres são o sonho de muitos. Mas, devo informar, tal visão não encontra mais guarida no atual ponto de evolução do Direito.

Vale citar, ainda, o comentário deixado pelo navegante "Ivan", às 12h19de 09/08/12, no site da Agência Câmara sobre a notícia em questão:

Vamos Vadiar! usar droga, mendigar, nada é mais crime. Beleza!

Fique tranquilo, Ivan. Aposto que o número de vadios não vai aumentar se essa revogação for realmente à frente. Afinal, mãe é mãe, vaca é vaca. E vadio é vadio.

Atualização:
Cumpre informar aos 2 ou 3 leitores deste Blog que a Agência Câmara, alertada por mim, retificou a imprecisão terminológica em menos de 60 minutos e, ainda, gentilmente me notificou quanto a isso. A atitude revela esmero e, por isso, é digna de nota.