sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Insensata pena - o homicídio culposo em Insensato Coração

Muito legal.

Não sou muito chegado a novelas. De vez em quando pinta uma bacana, como "Celebridade", que era muito engraçada, e aquela que tinha o Juvenal Juvêncio na favela Portelinha, inteligente que só.

Mas a maioria é lenta e sem graça mesmo.

Hoje (25/02/2011) vi que na novela Insensato Coração o piloto de avião Pedro foi condenado a 4 anos e 9 meses por homicídio culposo "qualificado" e "crime de perigo comum". E não resisti a usar esse caso pra iniciar esse Blog, cuja idéia é antiga.

Na foto, felicidade com dias contados

Antes, uma advertência: a novela é ficção. Talvez se passe no ano de 2.150, ou num país chamado Bramil. Nesse caso, pode existir lá o ordenamento jurídico que quiser o seu autor, e aí o que será comentado aqui perde o valor. Mas se a pretensão for de que os fatos tenham acontecido no Brasil de 2011, aí temos história pra contar!

Para uma "experiência completa" clique aqui e assista ao vídeo do acidente de Pedro. Você pode também clicar aqui para ver a mágica de uma pessoa que chega em 10 segundos à pé, no lugar em que caiu o avião. É o resgate mais rápido da história!

Então veja como  ficou a sentença de Pedro, depois de ele ter se envolvido nesse acidente aéreo, lida pelo juiz:


"Cuida-se de ação penal que move o Ministério Público contra Pedro Mourão pela prática do crime de homicídio culposo, em face de Luciana Alencar, e crime de perigo comum. Segundo a denúncia, o piloto foi o responsável pelo acidente aéreo que vitimou a noiva, pois agiu com negligência no momento do abastecimento do avião, inobservando ainda regra técnica da profissão. Ante o exposto, condeno o acusado a quatro anos de detenção pelo crime de homicídio culposo. Pelo crime de perigo comum, condeno o acusado a nove meses de detenção".

Bacana demais!

Primeiro é bom mencionar que a pena para o homicídio culposo é de 1 a 3 anos. Ela pode ser majorada em 1/3, caso a conduta culposa implique, também, em inobservância de regra técnica profissional. Mas vale à pena conferir esse interessante julgado do STJ, em que tal majorante foi afastada, por ferir a máxima do ne bis in idem, pois o mesmo fato constituira o núcelo da culpa.

Tudo bem, vamos passar por cima do cabimento ou não dessa majorante. Mesmo assim temos uma pena alta, não? Sim, o juiz deu pena máxima para o homicídio culposo (e o cara da novela era tão bonzinho). O art. 59 do Código Penal (CP) desse juiz deve ter algum tipo de reincidência para crimes cometidos pelo mesmo ator em outros papéis, sei lá! É um Direito Penal do inimigo da ficção pra Jacobs nenhum botar defeito!

Tá bom, mas não é só. Afinal, morreu uma só pessoa, noiva do piloto, e bem poderíamos pensar num perdão judicial, pois as consequencias do acidente atingiram de maneira grave o condutor da aeronave, que foi para a prisão ainda mancando muito, coitado! Mas - claro - essa hipótese deve também ser afastada, porque o nosso Pedrão já tinha demonstrado pro público que não a amava mais...

E o que fez Pedro, afinal? Não acompanhou o espertinho que abasteceu o avião com o combustível errado. Poxa, ele não prestou atenção no técnico que tem a exclusiva incumbência de abastacer com o combustível certo. Então tá. Responsabilidade objetiva nele!

Mas o mais legal ainda está por vir: ele foi condenado pelo "crime de perigo comum" a mais 9 meses de prisão. Essa foi campeã! Até porque não existe um tal crime no ordenamento jurídico brasileiro (mas essa vai ficar registrada nos anais do glorioso "Ordenamento Jurídico Paralelo da Mídia", ou "OJPM", como este blog ousa chamar).

Existe no CP um capítulo que trata dos crimes de perigo comum, como o de incêndio, explosão etc. Eis, portanto, essa interessante inovação: condenar alguém por um capítulo, e não por um tipo penal. Dá pra pensar até em princípio da capitulidade num futuro próximo (atenção acadêmicos: tema novo para teses e dissertações!).

E já chega? Não, só mais um pouco. A pena do crime de homicídio culposo é de detenção, que segundo consta no CP só pode ser cumprida, ao menos inicialmente, em regime semi-aberto ou aberto. E, afinal, esse "crime de perigo comum", novíssimo, também deve ter sido de modalidade culposa, ou será que arrumaram uma conduta dolosa não tipificada pra ser praticada por meio de uma única ação em concurso com outra conduta culposa? Seria fascinante!

Ele foi preso na Pennsylvania?

Mas o que a novela ganharia com um crime sem cárcere fechado, em termos audiência? Provavelmente nada. Então fizeram logo uma prisão duríssima, regime desde logo fechado, e sem substituição de pena (que no caso dos crimes culposos não possui limite de tempo para ser concedida, lembra? CP, art. 44, I...) e ele foi encarcerado, numa dramática cena, imediatamente!

Também, que advogadozinho mequetrefe ele arrumou... nem pra ter pronta uma apelação ao menos mais rápida do que a eficiente polícia que conduziu o apenado para o estabelecimento prisional. O advogado deve estar com aquela ideia antiga de que o conhecimento da apelação pelo Tribunal depende do recolhimento à prisão.

Como é cruel o Ordenamento da mídia, não é mesmo? E o estabelecimento penal é de tal forma organizado que faz imaginar que a pena será cumprida no estado brasileiro da... Pennsylvânia! Por lá, nada de prisões em containers.

É que o legislador e o juiz da novela são duros, mas são limpinhos.

É isso aí: seja bem vindo ao universo paralelo do direito midiático!

(Nisso que dá autor de novela pedir assessoria para estagiário. Sim, se isso fugiu do controle de verossimilhança (tá bom, sei que esse controle não deve existir para novelas), a culpa será de um estagiário!)

O Direito e a mídia

Há algum tempo eu venho pensando em criar um Blog apenas para comentar as abordagens mais equivocadas, engraçadas ou absurdas que a mídia dá a questões relativas ao Direito.

É verdade que foi o Direito assumiu esse grave defeito de ser extremamente complexo e de difícil entendimento. E isso colabora para que jornalistas, repórteres, comentaristas, autores de novela e toda a sorte de pessoas que possuem algum espaço na mídia dêem as interpretações mais curiosas sobre o Direito, construindo o que eu chamo de o "Ordenamento Jurídico Paralelo da Mídia" - ou simplesmente "OJPM".

Então, eis a proposta desse Blog. Capturar uma ou outra dessas atrocidades midiáticas e comentá-las à luz de um entendimento mais técnico e atualizado do Direito.

Na foto, um cliente em potencial para este humilde Blog.

Pra quem é esse Blog? Pra mim, com certeza. Mas pode servir também para quem é do ramo jurídico se divertir comigo, e pra outros curiosos entenderem melhor as diferenças entre o OJPM e o ordenamento jurídico brasileiro.

Então, vamos lá! A seguir, o nosso primeiro caso: Pedro é condenado por homicídio culposo e crime de perigo comum (!) em Insensato Coração! Wow!